O Instituto Brasileiro de Atenção e Proteção Integral a Vítimas (Pró-Vítima) ingressou com pedido de atuação como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal (STF), no processo que discute a nulidade da audiência que absolveu o empresário André de Camargo Aranha da acusação de estupro contra a influenciadora Mariana Ferrer. A solicitação busca acompanhar o recurso extraordinário apresentado pela assistência de acusação da jovem.
O pedido é assinado por juristas da OAB-MG e por advogados ligados ao projeto “Defenda-se”, uma iniciativa do Pró-Vítima que promove ações educativas em autodefesa para mulheres. Caso aceito, o Instituto poderá apresentar argumentos técnicos em favor da revisão da sentença.

Segundo a promotora de Justiça Celeste Leite dos Santos, presidente do Pró-Vítima, o papel da entidade é colaborar juridicamente em casos que envolvem possíveis violações de direitos fundamentais. “O Pró-Vítima não defende apenas a Mariana Ferrer, mas todas as vítimas que estejam em situação igual ou semelhante a dela no Brasil”, afirmou. “A expectativa é reverter as sentenças e estender a milhares de brasileiras uma provável decisão favorável”.

Ela também ressaltou o impacto da audiência realizada em 2020, cujas imagens viralizaram e provocaram comoção nacional: “Houve cabal ofensa física, moral e psíquica à vítima”.

O caso ganhou repercussão após o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, ser advertido pelo Conselho Nacional de Justiça por não intervir durante os ataques verbais à influenciadora. A expressão “estupro culposo”, embora não reconhecida juridicamente, passou a simbolizar a indignação popular com a condução do processo. A filmagem revelou que Mariana passou por uma série de constrangimentos por parte do advogado do réu, Cláudio Gastão da Rosa Filho.

O Pró-Vítima também argumentou que o caso reflete uma lacuna legal e defende o avanço do Projeto de Lei 3.890/2020, que institui o Estatuto da Vítima. “É notória a inconstitucionalidade por omissão, especialmente pela morosidade em garantir dispositivos legais mínimos de proteção a quem sofreu violência”, completou Celeste.
APONTAMENTOS DO PEDIDO DO INSTITUTO

A audiência, que ocorreu em 2020 e foi amplamente divulgada nas redes sociais, resultou na absolvição do empresário André de Camargo Aranha. As imagens mostraram Mariana sendo atacada verbalmente com insinuações ofensivas, enquanto o juiz e o promotor permaneceram inertes. A conduta gerou reação popular, legislativa e administrativa — mas ainda aguarda uma resposta jurisdicional efetiva.
O pedido do Pró-Vítima é claro: “Trata-se de uma violação de preceitos constitucionais fundamentais, como o direito à dignidade, à igualdade de gênero, à honra e ao devido processo legal”
A entidade afirmou que a audiência representa um caso emblemático de revitimização institucional, ou seja, quando o próprio sistema de justiça viola a vítima durante o processo. “A vítima clamava por intervenção do Estado, na figura do magistrado e do Ministério Público, mas sem sucesso. O ato — em momento algum — foi interrompido ou comedido pelos homens ali presentes”.
O Instituto destacou ainda que não se trata de um caso isolado, mas de um problema estrutural: “Irrefutável que a situação presenciada no caso em tela se coaduna com o propósito da associação e seu compromisso com a proteção das vítimas”.
Na audiência, o advogado de defesa usou imagens de Mariana retiradas de redes sociais para desqualificá-la, e fez afirmações consideradas “vexatórias e difamatórias”. Um dos trechos mais citados diz respeito ao momento em que a vítima é acusada de “forjar o crime para engajar no Instagram”. “As falas do advogado de Defesa, chanceladas pelo Estado na figura do Ministério Público e do Magistrado, não à toa trazem claro incômodo […] não coadunam com o sistema de justiça constitucional brasileiro pela completa inobservância ao plano de fundo de todos os atos e previsões legais — a Constituição”.
A petição mencionou diretamente o fundamento constitucional da dignidade humana, citando doutrina do ministro Luís Roberto Barroso: “A dignidade humana identifica o valor intrínseco de todos os seres humanos, bem como sua autonomia individual e o valor comunitário. Os três foram violados no caso em apreço”.
Ainda segundo o Instituto: “Não houve respeito à condição humana de Mariana, que mesmo estando em posição de vítima, foi humilhada e desrespeitada com questionamentos e afirmações como ‘eu nunca teria uma filha como você’ […] e insinuações que visavam desqualificar sua integridade com base em vestimentas e postagens pessoais”.
O pedido também reforçou que a ausência de leis específicas à época não é justificativa: “Ainda que não exista uma Lei federal ou dispositivo no CPP que determine o respeito à dignidade da vítima, o princípio emana a obrigação de que o ato seja guiado pelo respeito aos aspectos existenciais dela”.
Como reflexo do episódio, foi sancionada a Lei nº 14.245/2021, conhecida como Lei Mariana Ferrer, que estabelece regras para coibir violência institucional em audiências. “O episódio contou com resposta social, legislativa e administrativa. Entretanto, até o momento, não houve resposta jurisdicional”.
O Pró-Vítima também defendeu a aprovação definitiva do Estatuto da Vítima (PL 3.890/2020) – a íntegra, atualmente em trâmite no Senado Federal, com objetivo de assegurar atendimento não revitimizatório às vítimas de violência. Leia a petição na íntegra.
DECISÃO DO STF
O julgamento pelo STF poderá anular a audiência com base em vícios processuais e violação de direitos fundamentais. Se a Corte acolher os argumentos da vítima e do Instituto, o caso pode ser reaberto, marcando um precedente inédito sobre o dever do Judiciário de garantir não apenas justiça, mas respeito à integridade das vítimas. “A dignidade humana não se trata apenas de norma; é princípio estruturante do sistema constitucional e não pode ser relativizada em nenhuma esfera do processo penal”.
A decisão do Supremo poderá redefinir não apenas o destino judicial do caso Mariana Ferrer, mas também estabelecer novos parâmetros de proteção e respeito às vítimas em todo o país.