Com a finalidade de debater o assédio moral e sexual contra as mulheres no ambiente de trabalho, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS) realizou evento na tarde desta quinta-feira (15). Proposto pela deputada Mara Caseiro (PSDB), presidente da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Mulher e Combate à Violência Doméstica e Familiar e da Escola do Legislativo da ALEMS, a programação do encontro contou com palestra. A reunião é realizada neste mês em alusão ao 2 de Maio – o Dia Estadual de Combate ao Assédio Moral e Sexual contra Mulheres no Ambiente de Trabalho -, instituído pela Lei 5.699/2021, de autoria da deputada Mara Caseiro. Autoridades, servidores do Legislativo, acadêmicos de Direito, profissionais da área da saúde e segurança participaram do evento.

A campanha, criada por essa lei, objetiva conscientizar, prevenir e combater atitudes abusivas, constrangimentos, intimidações e humilhações que afetem a dignidade da mulher e que violem sua liberdade sexual no ambiente laboral. “Com profundo senso de responsabilidade damos início a este evento que marca o “Dia Estadual de Combate ao Assédio Moral e Sexual contra Mulheres no Ambiente de Trabalho”, uma data que não é apenas simbólica, mas representa um compromisso contínuo com a dignidade, o respeito e a segurança das mulheres em seus locais de trabalho. O assédio moral e sexual são práticas inaceitáveis que violam os direitos fundamentais das mulheres, comprometendo sua saúde física e mental, além de afetar sua trajetória profissional. O assédio sexual, conforme definido no Artigo 216-a do Código Penal, consiste em constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se da posição de superior hierárquico. Já o assédio moral, caracterizado por condutas abusivas repetitivas que humilham e desestabilizam emocionalmente a vítima, é

abordado no Artigo 146-a da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”, elencou Mara Caseiro.
Em relação ao Parlamento Estadual, Mara Caseiro citou um um projeto que está em andamento para criar um espaço na Casa de Leis para atendimento às mulheres. “Está ainda em elaboração, mas esperamos que em breve, podemos ter um espaço aberto de atendimento à essas mulheres vítimas da violência doméstica, e também, vítimas de assédio sexual e moral, para que essas mulheres possam ter o apoio necessário que elas merecem neste momento”, colocou.
Conforme a secretária de Gestão de Pessoas da ALEMS e presidente de honra da Escola do Legislativo Senador Ramez Tebet, Marlene Figueira da Silva, o projeto com a está em análise pelo presidente e a Mesa Diretora. “O objetivo será o acolhimento às mulheres vítimas do assédio, ou se já foram vítimas ou está na evidência de vir a ser uma vítima. Então precisamos trabalhar mais com a prevenção da violência. Como gestão de pessoas, cuidamos e orientamos o servidor e esse trabalho é feito em parceria com a Escola do Legislativo. Trouxemos a palestrante hoje para entendermos mais qual o caminho a seguir. Esse tipo de iniciativa agrega conhecimento, pois podemos pensar em estabelecer uma cartilha que possa esclarecer a temática aos nossos servidores”, destacou.
Dados
A parlamentar apresentou dados que infelizmente refletem a gravidade da situação. “De 2020 a 2023, a justiça do trabalho julgou mais de 400 mil casos de assédio moral e sexual, sendo que 72,1% das ações sobre assédio sexual foram ajuizadas por mulheres. Em 2024, o número de ações sobre assédio sexual na justiça do trabalho aumentou 35% em relação ao ano anterior, totalizando 8.612 casos. Apesar desses números alarmantes, a subnotificação ainda é um grande desafio. Uma pesquisa revelou que 97% das mulheres vítimas de assédio sexual no ambiente de trabalho não denunciam o crime, muitas vezes por medo de retaliação ou falta de confiança nos canais de denúncia”, apresentou a parlamentar.
Mara Caseiro ressaltou que o evento é um passo significativo. “Diante desse cenário, é imperativo que promovamos ações efetivas para combater o assédio em todas as suas formas. Isso inclui a implementação de políticas claras de prevenção, canais de denúncia acessíveis e seguros, além de programas de conscientização e treinamento para todos os níveis hierárquicos nas organizações”, disse.
Palestra
Durante o evento a advogada criminalista Andréa Flores ministrou a palestra “Enfrentamento ao assédio moral e sexual: Do elogio ao abuso, onde está o limite?”. Andréa é doutora em Direito Penal e professora universitária em duas instituições de Mato Grosso do Sul, atuando na graduação em Direito e em programa de mestrado em Direitos Humanos. A profissional falou acerca do assédio moral e sexual nos ambientes de trabalho, da infração ético-disciplinar que existe, porque ainda não tem um crime de assédio moral, além de explicar a diferença entre quando que caracteriza o crime de assédio sexual e quando que é uma mera infração ética. “É importante a gente ter essa semana de conscientização, porque eu acho que é pela educação que a gente consegue os melhores objetivos. Então, mostrar que dentro da nossa convivência com as pessoas existe um limite e ultrapassar esse limite é que vai caracterizar, seja o assédio moral, seja o assédio sexual. Precisamos falar porque existe o assédio moral e o assédio sexual e que tem como maiores vítimas as mulheres. De onde a gente tem essa cultura de que a mulher é vitimizada dentro de casa com a violência doméstica e vitimizada fora de casa também no seu local de trabalho?!”, demonstrou a doutora em Direito Penal ao fazer um panorama dessa nossa evolução da sociedade que faz com que as mulheres ainda sejam vítimas desse tipo de conduta. A primeira incubência é de ir contra aquele senso comum de que as pessoas já falam de crime de assédios moral e sexual. O assédio sexual também pode caracterizar a conduta criminosa, mas o assédio moral ainda não é tipificado, temos como uma infração ética e trabalhista. Caso aconteça dentro do funcionalismo público, vai resultar em uma punição, sindicância ou processo administrativo. E na relação particular, vai para a esfera trabalhista. Esse assédio consiste em uma forma reiterada, algo doloso, a pessoa tem a intenção de assim agir, para que haja humilhações e constrangimentos para aquele funcionário”, argumentou.

Em relação ao preparo das entidades públicas para acolher essas denúncias, ela comentou que a grande parte das instituições já tem uma cartilha, explicando quais são as condutas que caracterizam tanto o assédio moral quanto o assédio sexual. “São instituições que descrevem e trazem cartilhas numa linguagem bem fácil para as pessoas poderem assimilar, como observamos o exemplo do Conselho Nacional de Justiça e do Senado Federal. Então, a deputada, quando propôs a criação do Dia de Enfrentamento ao Assédio Sexual e ao Assédio Moral, ela está fazendo uma política pública e está fazendo a parte dela para que a gente fomente, converse e saiba reconhecer e também denunciar. É relevante que tenham ouvidoria e tenham pessoas preparadas nessas ouvidorias porque a vítima não pode chegar lá, se expor, narrar o que ela passou e ser revitimizada através de determinadas perguntas, críticas ou comentários que acabem colocando nela a culpa de ter sido vítima de um assédio sexual ou moral”, pontuou Andrea Flores.
A palestrante explicou projetos de lei que existem tramitando para tipificar, para tornar crime um assédio moral e alguns até para aumentar a pena do assédio sexual. Ela pontuou como que foi sendo criada essa forma de pensar que a mulher pode ser inferiorizada e ela pode ser objetificada a ponto de sofrer o assédio moral e sexual com mais frequência. “Platão, o grande filósofo, dizia que a mulher era a reencarnação de homens covardes e sem caráter. Aristóteles dizia que o primeiro desvio da natureza era justamente o nascimento de uma fêmea. Rousseau afirmava que nós éramos biologicamente inferiores e tínhamos dificuldades de ler e escrever. Freud dizia que não tínhamos capacidade e senso de justiça porque tínhamos inveja do pênis dos homens. Então nós somos moldadas com esses discursos e fomos acreditando que éramos inferiores. Tivemos uma legislação que éramos objeto e propriedade dos homens e tinha que se pedir autorização para trabalhar fora de casa, viajar ou fazer contratos. Foi aí que começamos a ter mudanças, que o local onde deveria ser o melhor momento do mundo – o nosso lar – mas sofríamos violência de todas as formas. Hoje tivemos o décimo feminicídio porque a nossa literatura e a nossa música de todos os ritmos sempre objetivou a mulher. A primeira mulher que passou em primeiro lugar em concurso público foi Maria José Rebello em 1918. Ela foi aprovada em primeiro lugar e precisou judicializar para ser aceita. A segunda mulher acolhida em concurso público, mesmo tendo passado, foi Bertha Lutz em 1919. Então, sem essa caminhada, talvez nós tivéssemos levado muito mais tempo por ter direito ao voto e sermos eleitas. Acontece um grande equívoco milenar que somos inferiores. Corrigindo uma simetria de quatrocentos s mil anos atras, de quando éramos tratadas como inferiores e tínhamos que ficar dentro do ambiente do lar”, exemplificou a advogada e professora Andrea Flores.

A psicóloga da ALEMS, Camila Vieira, reforçou a importância do evento para propagação do conhecimento e o quanto a Casa de Leis está atenta com o ambiente seguro para as servidoras. “Essa iniciativa nos possibilita agregar o conhecimento que a doutora trouxe para estudarmos projetos aqui na Casa de Leis em atender mulheres vítimas de violência. Mas nosso objetivo é não atender mulheres vítimas de violência, pois queremos prevenir essa violência. Precisamos trabalhar com as palestras, capacitações, formações e cartilhas para todos os servidores, não apenas para mulheres. Precisamos ampliar esse leque e trazer a informação. Objetivamos que esse conhecimento não fique apenas nas capacitações aqui dentro, que possa ser um multiplicador lá fora. Precisamos ter o foco na prevenção e nós queremos eliminar a violência dentro do ambiente do trabalho e da nossa sociedade”, salientou.
Mara Caseiro apontou a preocupação da Assembleia Legislativa com o tema, principalmente combatendo sempre qualquer tipo de violência contra as mulheres. “Que possamos, juntos, construir ambientes de trabalho mais justos, seguros e respeitosos para todas as mulheres. A luta contra o assédio é uma responsabilidade coletiva, e cada um de nós tem um papel fundamental nesse processo”, finalizou Mara Caseiro.
O evento foi aberto ao público e teve cobertura e transmissão ao vivo pelos canais de comunicação do Parlamento. Confira a íntegra: