Nas últimas semanas, andei olhando os sites de classificados, para tentar achar um carro da maneira que sempre procurei: com uns bons quatro ou cinco anos de uso, até mais do que isso, mas com quilometragem baixa.
Tive boas experiências fazendo isso por várias vezes. Lá no começo da década de 2010, comprei um Azera com dois anos de uso e 20.000 km.
Já adquiri um Audi A1 com três anos de uso e apenas 4.000 km rodados, já tive uma Mercedes E250 que comprei também com três anos de uso e que estava com 3.000 km na época, etc.
Isso sem citar os carros com o mesmo tempo de uso que levei para cada tendo apenas 20.000 ou 22.000 km.
Mas nunca paguei acima da tabela por isso. No caso da Mercedes, por ser um carro com mercado bem fraco no país, paguei cerca de 10% abaixo da Fipe, na ocasião.
O bom é que depois de usar o carro por uns três anos, você ainda consegue o vender com 25.000 km, ou 35.000 km, o que é importante em alguns segmentos onde os compradores são notadamente mais chatos.
Como o mercado funciona, ou pelo menos, funcionava
Costuma-se dizer que a quilometragem média e normal para um carro usado é cerca de 10.000 quilômetros por ano, para carros, digamos, um pouco mais “premium”, onde é possível encontrar modelos com pouca rodagem, já que na maioria das vezes, fazem parte de uma casa com dois, três ou até mais carros na garagem.
Muitos desses proprietários trabalham em casa, o que também é o meu caso, contribuindo para o carro ser pouco usado na rotina diária.
É claro que, para carros ditos normais, podemos pensar em uns 15.000 quilômetros por ano, pois esses geralmente são usados, além de ir até o trabalho todo santo dia, também para levar o filho na escola, ir ao supermercado, isso e aquilo.
Relacionando a Tabela Fipe com a quilometragem rodada, sempre foi assim: o carro pouquíssimo rodado vai estar com preço acima da Fipe, o carro com cerca de 10.000 ou 15.000 quilômetros por ano, vai estar mais ou menos na Fipe, e os carros muito rodados vão estar, obviamente, abaixo.
Usar a Fipe para definir o preço simplesmente acabou
Mas, tenho notado que depois da pandemia, e especialmente de 2024 para cá, as lojas simplesmente deixaram de balizar seus preços pela Fipe.
Antes, até o ano passado, eu morava em uma cidade relativamente pequena do interior, com cerca de 170.000 habitantes, distante uns 200 quilômetros de São Paulo capital, o que fazia com que os carros vendidos ali tivessem preço acima da Fipe.
Mas era aquilo, o lojista pedia 5% ou 10% acima da Fipe, sabendo que na negociação, o valor final a ser pago seria bem mais próximo da tabela.
Hoje, não. Não estamos mais falando de apenas 5% ou 10% acima da Fipe. E também não estamos falando de preços assim apenas em cidades pequenas e mais remotas.
Mesmo em grandes capitais, os preços estão acima da Fipe, e MUITO acima. Nada de 5% ou 10%, mas sim 20%, 30% e até mais do que isso.
É rotineiro encontrar um carro, por exemplo, de ano 2018 ou 2019, que está com 40.000 km rodados, e pedida de R$ 160.000, sendo que a Tabela Fipe dele é de R$ 130.000.
Alguns exemplos de carros legais, diferenciados, alguns deles até mesmo “chiques”, “premium”, como queira chamar, mas com preços alcançáveis (sim, todos os carros são sem blindagem):
- Mercedes C180 2018 com 20.000 km – Fipe 126 / Pedida 175 (38% acima)
- Audi A4 2018 com 11.000 km – Fipe 106 / Pedida 144 (35% acima)
- BMW 320i Sport GP 2018 com 20.000 km – Fipe 133 / Pedida 165 (24% acima)
- BMW 320i Sport GP 2020 com 32.000 km – Fipe 193 / Pedida 230 (20% acima)
- Honda Civic Touring 2021 com 15.000 km – Fipe 149 / Pedida 199 (33% acima)
- Chevrolet Equinox Premier 2021 com 40.000 km – Fipe 143 / Pedida 166 (17% acima)
- Volkswagen Golf GTI 2019 com 33.000 km – Fipe 208 / Pedida 299 (esse é o modelo campeão da palhaçada) (43% acima)
- Ford Ranger XLT 2021 com 25.000 km – Fipe 160 / Pedida 219 (36% acima)
- Hyundai Creta Prestige 2021 com 26.000 km – Fipe 103 / Pedida 120 (17% acima)
- Volkswagen T-Cross Highline 2021 com 16.000 km – Fipe 113 / Pedida 137 (22% acima)
Pode verificar, são anúncios que agora mesmo ativos naquele site com o nome que começa com Web e termina com Motors.
Sim, os casos acima são de carros pouquíssimos rodados. Mas temos ali caso de quase 40% acima da Fipe. Nada justifica um preço assim.
Até por que, na hora de vender, você vai ter que vender na tabela, para conseguir vender em alguns meses, não anos.
Se existir algum carro com baixa km e preço abaixo da Fipe, verifique as informações adicionais colocadas no anúncio que verá que sempre se trata de um carro com sinistro, alagamento, ou passagem por leilão.
E ainda nem chegamos em março ou abril, ponto do ano onde a loja já pagou todas as parcelas do IPVA do carro, o que geralmente eleva seu preço um pouco. Mas esse nem é mesmo o caso, pois essa elevação no preço é refletida na Fipe.
OBS.: Os anúncios do Rio de Janeiro já nem abro. Sempre achei muito estranho eles estarem sempre muito abaixo da Fipe, mas tudo ficou bem explicado depois da reportagem do Fantástico, explicando que tra fi can tes estão criando esses anúncios falsos para rou bar as pessoas.
O outro problema: carros muito rodados, com preços também altos
No caso de carros muito rodados, as lojas estão perdendo a noção do que significa pouca quilometragem.
Vi recentemente o anúncio de um Audi A4 2018 ou 2019, com 87.000 km, onde na descrição, era comentado que o carro está com km baixa.
Onde que 87.000 é baixo? Mesmo para um carro com 7 anos de uso?
O preço dos classificados é a nova Fipe
Vocês também estão notando isso? Que parece que quanto mais difícil está movimentar o estoque da loja, mais elas enfiam a faca? Ou eu que estou por fora, e hoje em dia é assim mesmo?
O que parece é que o fator determinante para a loja decidir o valor a colocar, é entrar no tal site de classificados e verificar que preço estão pedindo.
Notei isso com uma Mercedes C180 2018 que estava com 40.000 km e valor pedido de R$ 128.000, se não me engano. Até aí, tudo certo, pouca coisa acima da tabela. Poucos dias depois, o mesmo anúncio teve o preço corrigido para R$ 139.900.
E assim o ciclo vai se perpetuando. Todas as lojas pedem valores sem noção, e as que acabam de comprar o carro vão na mesma onda.
Uma outra C180 2018, com 13.000 km, que estava com preço de R$ 159.000 teve o anúncio tirado do ar. Será que vendeu? Ou desistiram de vender? A Fipe era R$ 126.000.
As coisas continuarão assim por muito tempo
Infelizmente, pelo perfil do brasileiro médio, que faz tudo errado na hora de trocar de carro, este comportamento das lojas é simplesmente tolerado por todos.
A pessoa, ao invés de tentar vender o carro particular, chega na loja apenas querendo saber quanto fica a parcela do carro novo, dando o anterior como parte de pagamento, e vida que segue.
Acredito que alguns nem mesmo chegam a verificar qual é o preço de Fipe daquele carro que estão comprando. A única coisa que importa é se a parcela vai caber no orçamento.
Enquanto a situação continuar assim, vou simplesmente agir com a razão, e continuar com o modelo que tenho na garagem, de ano 2020, com 34.000 quilômetros rodados.
Ele ainda me serve? Sim, perfeitamente. O problema é que quem gosta muito de carro não consegue ficar mais do que dois ou três anos com o mesmo modelo. Está sempre procurando pelo novo brinquedo.
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