Ferrovia é explorada há 29 anos com metas descumpridas e governo ainda cogitava renovar contrato

Após 3 décadas de trilhos ociosos, ferrovia entre MS e SP voltou a estaca zero
Desde julho de 2020, a Rumo não tem mais a concessão da ferrovia, que foi sucateada em MS. (Foto/Arquivo)

Na semana passada, o ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União determinou a realização de uma nova licitação para a ferrovia RMO (Rumo Malha Oeste) – sob a concessão da Concessionária Rumo Malha Oeste desde 1996 – e afirmou que o acordo consensual proposto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres “burla a licitação de um novo projeto de infraestrutura” da ferrovia, em meio a um contrato marcado pelo descumprimento de metas.

Tribunal de Contas da União determina nova licitação para ferrovia Malha Oeste. Ministro Aroldo Cedraz considerou que acordo proposto pela ANTT para prorrogar a concessão da Rumo por mais 30 anos “burla a licitação”. A ferrovia, que liga São Paulo a Mato Grosso do Sul, está sob concessão da Rumo desde 1996 e enfrenta problemas com descumprimento de metas. Cedraz argumenta que a proposta da ANTT, que inclui a devolução de 1.600 km da malha e investimentos em trechos específicos, configura uma “remodelação completa” do contrato original. O ministro destaca ainda a necessidade de considerar o histórico da concessionária, incluindo inadimplência e abandono de trechos, antes de prorrogar a concessão. A decisão do TCU representa um revés para a Rumo e exige que o Ministério dos Transportes prepare um novo edital de licitação.

A ferrovia atravessa os estados de São Paulo (Mairinque) e Mato Grosso do Sul (Corumbá) em uma extensão de 1.973 km, envolvendo 58 municípios dos dois estados e tem uma longa história de tentativas de reativação.

Em resposta ao Campo Grande News, a ANTT informou que analisará as considerações feitas pelo ministro do TCU e, caso seja necessário, se manifestará perante o tribunal.

Dentre as seis propostas do requerimento de solução consensual da ANTT, está a devolução de aproximadamente 1.600 km da malha, além da prorrogação do contrato por mais 30 anos, de forma antecipada.

Para o ministro, a solução consensual “é uma clara afronta” tanto à Constituição Federal quanto às Leis de Concessão e de Licitação, motivo pelo qual decidiu contrariar o entendimento do presidente do TCU, ministro Vital do Rêgo, e da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos.

“Corrobora esse entendimento a constatação de que o atual concessionário não poderia sequer requerer a prorrogação contratual, seja pela via ordinária ou pela via antecipada, nos moldes da Lei 13.448/2017, por não ter logrado atingir os indicadores de desempenho e de manutenção previstos no contrato.”

 Propostas – Destacam-se ainda outras quatro propostas que constam do requerimento de solução consensual da ANTT:

1. Recapacitação dos segmentos (de 47 km) de Corumbá a Ladário, Corumbá a Agente Inocêncio, e Agente Inocêncio a Porto Esperança, na bitola métrica;

2. Rebitolagem (para bitola larga) de 300 km no trecho entre Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas;

3. Construção de novo segmento (de 55 km) ligando a fábrica da Suzano, ao sul de Três Lagoas, até o contorno ferroviário do município;

4. Construção de novo segmento (de 89 km) ligando Três Lagoas a Aparecida do Taboado, na Malha Norte.

No entendimento de Cedraz, a proposta de solução consensual configura uma “remodelação completa e radical do contrato”, distanciando-se da concessão original. “Trata-se, assim, de uma nova configuração da exploração do serviço público de transporte ferroviário, com novos trechos, novas métricas de desempenho, novas obrigações de manutenção das vias, sem qualquer suporte jurídico no contrato de concessão ora vigente.”

Cedraz chama atenção para preocupações apontadas no Acórdão relatado pelo ministro Jorge Oliveira no processo. Ao avaliar os contratos de concessão ferroviária com prazo de vigência próximo do término, Oliveira determinou ao Ministério dos Transportes e à ANTT que, no processo decisório de prorrogação ou relicitação das malhas ferroviárias, considerem o histórico de cumprimento das metas de produtividade e segurança.

Também devem ser considerados a elevada inadimplência e o alto índice de abandono de trechos ferroviários, entre outras questões que possam desaconselhar a continuidade das atuais operações das concessionárias.

 “É necessário avaliar os efeitos para o serviço público prestado e para o mercado regulado, como risco moral e dificuldade de entrada de novos agentes no setor ferroviário, respeitando os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência”, observa Cedraz.

Novo edital – Dessa forma, Cedraz jogou um “balde de gelo” em um eventual acordo entre o governo e a Concessionária Rumo, cujo contrato atual será encerrado em junho de 2026. O ministro do TCU critica ainda o fato de ter expirado, em 19 de fevereiro deste ano, o prazo máximo no processo instaurado para acompanhar o procedimento de relicitação da concessão visando a substituição do parceiro privado, conforme prevê o art. 20 da Lei 13.448/2017. O Ministério dos Transportes agora prepara um novo edital.

As informações são de que, no pleito formulado pela concessionária, a empresa apontou a existência de uma ação judicial com pedido de liminar, ajuizada em 2000 pela então Ferrovia Novoeste S.A., hoje denominada Rumo Malha Oeste S.A., “na qual intenta demonstrar suposto desequilíbrio econômico-financeiro do Contrato de Concessão para a Exploração e Desenvolvimento do Serviço de Transporte Ferroviário de Carga na Malha Oeste”.

“A parte alegou o desequilíbrio em razão da queda acentuada na participação da receita com transporte de derivados de petróleo e álcool, supostamente em virtude da extinção da regulamentação de preferência do modal ferroviário para o transporte desses produtos.”

O ministro Cedraz ressalta, contudo, que a proposta encaminhada não busca solucionar a citada disputa judicial. “Essa sim, a meu ver e com muitas ressalvas, poderia ter sido objeto de mediação dentro do TCU.” Ele destaca ainda que, no âmbito do Grupo de Trabalho criado para tratar da submissão da matéria ao TCU, a Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e a Procuradoria Regional da União da 2ª Região apontaram aspectos relevantes quanto às alegações da concessionária:

“A política de desregulamentação do setor de combustíveis já vinha sendo praticada antes do leilão da RMO, portanto não teria sido uma surpresa para os licitantes, já estando precificada”, escreveu o ministro. Segundo Cedraz nenhuma outra concessionária ferroviária que também transportava combustíveis ajuizou ação judicial alegando desequilíbrio em decorrência da desregulamentação. “A concessionária só acionou judicialmente a União quatro anos após a desregulação; o risco de demanda é alocado aos concessionários, que têm melhor capacidade de lidar com ele, prestando bom serviço e estabelecendo tarifas atrativas”.

O ministro afirma que a concessionária se beneficiou do aumento de cargas não classificadas como combustíveis e celulose, em volumes superiores aos previstos no edital, mas não considerou esse aumento nos cálculos do alegado desequilíbrio: “Em outros processos de prorrogação, tanto no modo rodoviário quanto no ferroviário, um pré-requisito foi a desistência de processos judiciais em curso. Assim, os citados pontos indicam que o suposto desequilíbrio permanecerá controverso e dificilmente alcançará o montante expressivo alegado pela Rumo S.A”, afirma.

“Mesmo sem ter controle sobre o resultado, deve-se ter em mente que, ao final da concessão, haverá o acerto de contas entre o particular e o poder concedente, não sendo esse motivo para conferir nova modelagem contratual e novo prazo à concessionária”, acrescentou o ministro.

Diante desses fatos, Cedraz conclui que “a proposta de solução consensual, por configurar burla à licitação da malha” ferroviária atualmente denominada Malha Oeste, afronta a Constituição Federal e as Leis de Concessão e de Licitação. “Por essa razão deixo de ratificar o exame de admissibilidade proferido pelo presidente, ministro Vital do Rêgo”.