O interrogatório de Jair Bolsonaro nesta 3ª feira (10.jun.25) é um marco raro na história republicana.

Pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente eleito pelo voto direto responde como réu por tentar minar a democracia.

O processo, conduzido pelo STF, investiga seu suposto envolvimento em articulações para anular as eleições de 2022.

No depoimento, Bolsonaro tentou adotar uma postura contida, distante do tom inflamado que o consagrou.

Falou com calma, evitou provocações e vestiu o figurino de defensor da legalidade.

Disse que jamais cogitou um golpe e que respeitou a Constituição “do primeiro ao último dia”.

Negou qualquer articulação com militares e qualquer relação com a minuta golpista encontrada com Mauro Cid.

Também rejeitou responsabilidade sobre os atos de 8 de Janeiro e disse desconhecer a operação da PRF no Nordeste.

Sua estratégia pareceu clara: negar tudo, recuar onde for preciso e posar como vítima de um mal-entendido institucional.

Mas essa versão não resiste à documentação já reunida no processo.

Há registros de reuniões com o alto comando militar no fim do mandato.

Há mensagens, vídeos, rascunhos de decretos e testemunhos que contradizem frontalmente suas negativas.

Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e hoje delator, afirmou que Bolsonaro sugeriu incluir a prisão de ministros na minuta golpista.

A tentativa de se descolar do que ele mesmo alimentou por meses parece pouco convincente.

A retórica de desconfiança nas urnas, os ataques ao Supremo e as insinuações de fraude foram públicas e constantes.

O discurso moderado no STF contrasta com a radicalização encorajada por ele enquanto ocupava a Presidência.

O depoimento, portanto, não é apenas uma formalidade processual — é também um espelho.

Nele, vê-se um político tentando apagar a própria trilha de pegadas no terreno da ruptura democrática.

Bolsonaro tenta reescrever seu papel no enredo que ele mesmo ajudou a construir.

Mas o Judiciário agora tem a tarefa de separar o teatro da verdade, a retórica da responsabilidade.

A democracia brasileira, alvo de ataques recentes, mostra que não está disposta a esquecer.

A continuidade do processo sinaliza que nenhum cargo garante imunidade contra a lei.

Se condenado, Bolsonaro não cairá por discurso — mas por provas.

E é sobre elas que o julgamento será feito.