O Instituto Brasileiro de Atenção e Proteção Integral a Vítimas (Pró-Vítima) ingressou com pedido de atuação como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal (STF), no processo que discute a nulidade da audiência que absolveu o empresário André de Camargo Aranha da acusação de estupro contra a influenciadora Mariana Ferrer. A solicitação busca acompanhar o recurso extraordinário apresentado pela assistência de acusação da jovem.

O pedido é assinado por juristas da OAB-MG e por advogados ligados ao projeto “Defenda-se”, uma iniciativa do Pró-Vítima que promove ações educativas em autodefesa para mulheres. Caso aceito, o Instituto poderá apresentar argumentos técnicos em favor da revisão da sentença.

Na tarde de 7 de outubro de 2021, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) absolveu, por unanimidade (3 a 0), André de Camargo Aranha da acusação de estupro de vulnerável contra Mariana Ferrer. A decisão gerou revolta nas redes sociais e pedidos de Na tarde de 7 de outubro de 2021, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) absolveu, por unanimidade (3 a 0), André de Camargo Aranha da acusação de estupro de vulnerável contra Mariana Ferrer. A decisão gerou revolta nas redes sociais e pedidos de justiça.

Segundo a promotora de Justiça Celeste Leite dos Santos, presidente do Pró-Vítima, o papel da entidade é colaborar juridicamente em casos que envolvem possíveis violações de direitos fundamentais. “O Pró-Vítima não defende apenas a Mariana Ferrer, mas todas as vítimas que estejam em situação igual ou semelhante a dela no Brasil”, afirmou. “A expectativa é reverter as sentenças e estender a milhares de brasileiras uma provável decisão favorável”.

A presidente do Pró-Vítima, Celeste Leite dos Santos, ingressou com petição no STF para atuar como amicus curiae no caso Mariana Ferrer, com o objetivo de contribuir juridicamente na análise do recurso que pede a anulação da audiência.A presidente do Pró-Vítima, Celeste Leite dos Santos, ingressou com petição no STF para atuar como amicus curiae no caso Mariana Ferrer, com o objetivo de contribuir juridicamente na análise do recurso que pede a anulação da audiência.

Ela também ressaltou o impacto da audiência realizada em 2020, cujas imagens viralizaram e provocaram comoção nacional: “Houve cabal ofensa física, moral e psíquica à vítima”.

Juiz Rudson Marcos, que considerou inocente o empresário André Camargo Aranha  acusado em 2018 de estuprar Mariana Ferrer. Foto: ReproduçãoJuiz Rudson Marcos, que considerou inocente o empresário André Camargo Aranha — acusado em 2018 de estuprar Mariana Ferrer. Foto: Reprodução

O caso ganhou repercussão após o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, ser advertido pelo Conselho Nacional de Justiça por não intervir durante os ataques verbais à influenciadora. A expressão “estupro culposo”, embora não reconhecida juridicamente, passou a simbolizar a indignação popular com a condução do processo. A filmagem revelou que Mariana passou por uma série de constrangimentos por parte do advogado do réu, Cláudio Gastão da Rosa Filho.

Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado de André Camargo Aranha, que fez diversos ataques e revitimizou Mariana Ferrer. Foto: ReproduçãoCláudio Gastão da Rosa Filho, advogado de André Camargo Aranha, que fez diversos ataques e revitimizou Mariana Ferrer. Foto: Reprodução

O Pró-Vítima também argumentou que o caso reflete uma lacuna legal e defende o avanço do Projeto de Lei 3.890/2020, que institui o Estatuto da Vítima. “É notória a inconstitucionalidade por omissão, especialmente pela morosidade em garantir dispositivos legais mínimos de proteção a quem sofreu violência”, completou Celeste.

APONTAMENTOS DO PEDIDO DO INSTITUTO

Audiência de 3 de setembro de 2020, em que Mariana Ferrer foi humilhada, levou pedido de anulação ao STF.Audiência de 3 de setembro de 2020, em que Mariana Ferrer foi humilhada, levou pedido de anulação ao STF.

A audiência, que ocorreu em 2020 e foi amplamente divulgada nas redes sociais, resultou na absolvição do empresário André de Camargo Aranha. As imagens mostraram Mariana sendo atacada verbalmente com insinuações ofensivas, enquanto o juiz e o promotor permaneceram inertes. A conduta gerou reação popular, legislativa e administrativa — mas ainda aguarda uma resposta jurisdicional efetiva.

O pedido do Pró-Vítima é claro: “Trata-se de uma violação de preceitos constitucionais fundamentais, como o direito à dignidade, à igualdade de gênero, à honra e ao devido processo legal”

A entidade afirmou que a audiência representa um caso emblemático de revitimização institucional, ou seja, quando o próprio sistema de justiça viola a vítima durante o processo. “A vítima clamava por intervenção do Estado, na figura do magistrado e do Ministério Público, mas sem sucesso. O ato — em momento algum — foi interrompido ou comedido pelos homens ali presentes”.

O Instituto destacou ainda que não se trata de um caso isolado, mas de um problema estrutural: “Irrefutável que a situação presenciada no caso em tela se coaduna com o propósito da associação e seu compromisso com a proteção das vítimas”. 

Na audiência, o advogado de defesa usou imagens de Mariana retiradas de redes sociais para desqualificá-la, e fez afirmações consideradas “vexatórias e difamatórias”. Um dos trechos mais citados diz respeito ao momento em que a vítima é acusada de “forjar o crime para engajar no Instagram”. “As falas do advogado de Defesa, chanceladas pelo Estado na figura do Ministério Público e do Magistrado, não à toa trazem claro incômodo […] não coadunam com o sistema de justiça constitucional brasileiro pela completa inobservância ao plano de fundo de todos os atos e previsões legais — a Constituição”. 

A petição mencionou diretamente o fundamento constitucional da dignidade humana, citando doutrina do ministro Luís Roberto Barroso: “A dignidade humana identifica o valor intrínseco de todos os seres humanos, bem como sua autonomia individual e o valor comunitário. Os três foram violados no caso em apreço”. 

Ainda segundo o Instituto: “Não houve respeito à condição humana de Mariana, que mesmo estando em posição de vítima, foi humilhada e desrespeitada com questionamentos e afirmações como ‘eu nunca teria uma filha como você’ […] e insinuações que visavam desqualificar sua integridade com base em vestimentas e postagens pessoais”.

O pedido também reforçou que a ausência de leis específicas à época não é justificativa: “Ainda que não exista uma Lei federal ou dispositivo no CPP que determine o respeito à dignidade da vítima, o princípio emana a obrigação de que o ato seja guiado pelo respeito aos aspectos existenciais dela”.

Como reflexo do episódio, foi sancionada a Lei nº 14.245/2021, conhecida como Lei Mariana Ferrer, que estabelece regras para coibir violência institucional em audiências. “O episódio contou com resposta social, legislativa e administrativa. Entretanto, até o momento, não houve resposta jurisdicional”. 

O Pró-Vítima também defendeu a aprovação definitiva do Estatuto da Vítima (PL 3.890/2020) – a íntegra, atualmente em trâmite no Senado Federal, com objetivo de assegurar atendimento não revitimizatório às vítimas de violência. Leia a petição na íntegra.  

DECISÃO DO STF

O julgamento pelo STF poderá anular a audiência com base em vícios processuais e violação de direitos fundamentais. Se a Corte acolher os argumentos da vítima e do Instituto, o caso pode ser reaberto, marcando um precedente inédito sobre o dever do Judiciário de garantir não apenas justiça, mas respeito à integridade das vítimas. “A dignidade humana não se trata apenas de norma; é princípio estruturante do sistema constitucional e não pode ser relativizada em nenhuma esfera do processo penal”.

A decisão do Supremo poderá redefinir não apenas o destino judicial do caso Mariana Ferrer, mas também estabelecer novos parâmetros de proteção e respeito às vítimas em todo o país.