O Ministério Público Eleitoral (MPE) manifestou-se, em 18 de fevereiro de 2025, pela procedência da inicial do processo em que a 19ª Zona Eleitoral de Ponta Porã (MS) pede a cassação dos mandatos dos vereadores Adriana Veron Batista (PSDB), Aroldo Martins de Mattos, o Liquinho (PODE) e Camilla de Oliveira Fatala Leite (PODE), por eles terem cooptado votos durante um almoço realizado em 14 de setembro de 2024, na aldeia indígena Guassuty, onde os então candidatos distribuíram bebidas e comidas aos indígenas enquanto faziam promessas de campanha.

Além desses três, deve perder o cargo Emersom Ricardo Sanches (PODE), que, apesar de não ser acusado, pertence à legenda que, se condenada, perderá todos os votos recebidos.

A ação de investigação judicial teve início com a denúncia da Coligação “Compromisso e Trabalho por Aral Moreira“, acusando os candidatos a vereador, juntamente com o então prefeito Alexandrino Arévalo Garcia (PSDB) e a candidata a prefeita Vera Cruz (PSDB), no município de Aral Moreira (MS), de sufrágio eleitoral por meio do abuso de poder econômico.

A coligação autora argumentou na peça que, durante o evento, os representados “realizaram um evento político na comunidade indígena, oferecendo comida e bebida aos moradores, enquanto faziam promessas de campanha”. A denúncia foi corroborada por provas substanciais, como fotografias e vídeos, que capturam cenas do evento em que, entre outros detalhes, os candidatos aparecem distribuindo a refeição enquanto discursavam, “utilizando a liderança da aldeia para reforçar a narrativa e angariar votos”, conforme descrito na sentença.

O MS Notícias destacou o caso com robustez de vídeos e fotos, material que deve levar à cassação dos mandatos, além de multa, estimada em até R$ 50 mil cada.

Mesmo diante das provas, os acusados tentaram se desvincular da acusação, alegando que o evento foi organizado e custeado por uma igreja local, com o apoio de um dos informantes da defesa, Paulo Armoa, que também é pastor na região.

De acordo com a defesa, não houve envolvimento direto dos candidatos na organização ou financiamento do evento. No entanto, essa tese foi refutada pela responsável pela ação, que apontou a incoerência entre as alegações da defesa e as provas apresentadas. “A história acerca do evento religioso não restou minimamente comprovada e, ainda que houvesse ocorrido algum ato religioso na ocasião, é certo que não foi a igreja local, comandada, também, por Paulo Armoa, quem financiou o banquete político”, afirmou. O testemunho de Paulo, porém, foi anulado pois ele era funcionário comissionado da prefeitura de Aral Moreira.

A decisão destaca a evidência de que o evento político estava “estritamente vinculado à campanha eleitoral”, com “candidatos uniformizados” e “bottons da coligação”, além do uso de veículos de alto valor agregado, “notório símbolo de pertencimento político”. A sentença revela, ainda, que o banquete foi organizado por uma empresa de buffet especializada, o que, somado à presença dos candidatos e à distribuição de alimentos e refrigerantes, deixa claro o caráter eleitoral do evento.

Conforme a decisão, a versão da defesa sobre o suposto caráter religioso do evento é mentirosa, já que a igreja local, com apenas 78 fiéis, não teria recursos financeiros suficientes para bancar um evento de tal magnitude. “É incabível conceber que a instituição, que conta com recursos limitados, tivesse condições de arcar com o serviço de buffet e a enorme quantidade de comida e bebida fornecida”, destacou.

Em sua análise, a juíza evidenciou que a captação ilícita de sufrágio não exige um pedido explícito de voto, mas apenas a demonstração de que a conduta foi intencional e visa influenciar o eleitor. Em sua avaliação, ficou claro que os candidatos envolvidos se utilizaram da vantagem de oferecer bens e promessas para obter votos: “A captação ilícita de sufrágio se configura… com a doação, oferecimento, promessa ou entrega, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto”, conforme artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997. A sentença também fez menção a julgados anteriores, como o caso de 2016, no qual a Justiça Eleitoral já havia condenado a entrega de cestas básicas em aldeias indígenas com o intuito de angariar votos, configurando, de maneira irreparável, a prática de captação ilícita.

SUFRÁGIO NA ALDEIA

Tal conduta é considerada crime, uma vez que o Código Eleitoral, no Art. 41-A, veda explicitamente a prática de oferecer bens ou vantagens com o objetivo de influenciar o eleitor em sua escolha.

Além disso, a legislação eleitoral e a Portaria nº 177/PRES, de 16 de fevereiro de 2006, proíbem a realização de campanhas eleitorais em Terras Indígenas sem a devida autorização da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A realização do evento na aldeia, portanto, é questionada sob esse aspecto.

QUEM SÃO OS ACUSADOS

O ex-prefeito Alexandrino Arévalo Garcia conseguiu se livrar da acusação, alegando que não era candidato, apesar de estar endossando a candidatura de Vera Cruz, a Professora Verinha (PSDB). Foto: ArquivoO ex-prefeito Alexandrino Arévalo Garcia conseguiu se livrar da acusação, alegando que não era candidato, apesar de estar endossando a candidatura de Vera Cruz, a Professora Verinha (PSDB). Foto: Arquivo

Estão sendo investigados pelos crimes de abuso de poder econômico os seguintes integrantes da festa na aldeia:

• a vereadora (eleita) Adriana Veron Batista (PSDB);

• o ex-prefeito Alexandrino Arévalo Garcia (PSDB);

• o vereador (eleito) Aroldo Martins de Mattos, o Liquinho (PODE);

• a vereadora (eleita – segunda mais votada) Camilla de Oliveira Fatala Leite (PODE);

• o candidato a vereador (não eleito) Dilmar Marques Pinheiro (PSDB);

• o candidato (não eleito) Ederson Pires Lima, o Neguinho do Povo (PODE);

• a candidata (não eleita) Elizangela Freitas de Souza, a Elizangela Freitas da Saúde (PODE);

• o candidato (não eleito) Fábio Júnior Ramires (PSDB);

• a candidata (não eleita) Luzia Belarmino Matias (PSDB);

• a candidata (não eleita) Marta de Souza Belarmino (PODE);

• a candidata (não eleita) Sebastiana Romeiro (PP);

• a candidata a vice-prefeita (não eleita) Valdirene Regis Soligo (PSD);

• a candidata a prefeita (não eleita) Vera Cruz, a Professora Verinha (PSDB);

• a candidata a vereadora (não eleita) Vera Lúcia da Silva Machado, a Professora Vera Silva (PODE);

• o candidato a vereador (não eleito) Zelmo Coinete Pinto, o Professor Cabo Zelmo (PODE).

IMPACTO NA CÂMARA

Em caso de condenação dos acusados, quase toda a composição do legislativo diplomado de Aral Moreira será alterada, com a posse dos suplentes, que dependerão de uma nova análise do coeficiente eleitoral, o que resultará numa recomposição quase que completa no legislativo da cidade.

O PODE, porém, deve ter seus votos anulados, sendo assim, os suplentes da legenda não terão votos computados.