Alto custo para se alimentar chega aos supermercados, restaurantes, dentro ou fora de casa

Picanha barata é lenda, enquanto comida cara coloca cidade no topo da inflação
Açougueiro segurando peça de picanha, em supermercado: preço nas alturas. (Foto: Murilo Medeiros)

O churrasco com picanha mais barata no fim de semana ficou só para contar história. Enquanto alguns ainda acreditam no slogan da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde 2022, o campo-grandense sofre com recordes consecutivos de carestia entre capitais brasileiras, com a maior inflação de alimentos no Brasil: 11,3% em 2024.

Em Campo Grande, o preço dos alimentos continua a subir, desafiando a promessa de redução feita pelo governo Lula. A cesta básica aumentou 10,41% no ano passado, chegando a R$ 770 em dezembro, exigindo 15 dias de trabalho para ser adquirida. A carne, especialmente a picanha, também ficou mais cara. Moradores adotam estratégias variadas para lidar com a alta: alguns compram diariamente para monitorar preços, outros planejam refeições semanais, e há quem prefira comer fora de casa por praticidade e economia. O governo tentou reverter a situação com um programa, mas analistas consideram as medidas insuficientes.

O alto custo cerca por todos os lados, nos supermercados, restaurantes, dentro ou fora de casa. Em uma pesquisa rápida, a picanha foi encontrada por mais de R$ 100 em Campo Grande. No supermercado Mister Junior está R$ 69; na Casa de Carne Oriente, R$ 84,90; no Arapongas, R$ 99,90; e no Big Beef, R$ 119,98.

Para tentar melhorar a imagem com o eleitor, depois da promessa esquecida, o governo Lula lançou, na semana passada, programa para reverter a alta dos alimentos, mas, conforme analistas, as medidas são muito tímidas. A ação foi necessária diante de baixa aprovação nas pesquisas de opinião pública.

A Capital sul-mato-grossense tem enfrentado sucessivos recordes no preço da cesta básica, ficando entre as cinco primeiras com o custo mais elevado. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de Campo Grande registrou acúmulo de 5,06% no ano passado, se falar somente dos alimentos, o resultado é de alta de 11,3%.

De acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o valor da cesta básica aumentou 10,41% em Campo Grande, de janeiro a dezembro do ano passado.

Somente em dezembro, o conjunto de alimentos estava custando R$ 770, sendo necessário trabalhar 120h02, ou seja, 15 dias para adquirir. Também entra para a lista dos aumentos, leite integral, café em pó, óleo de soja, arroz agulhinha, banana, manteiga, pão francês, feijão preto e açúcar.

O preço médio da carne em Campo Grande custava R$ 39,64 em dezembro de 2022, no mesmo período de 2024, subiu para R$ 45,18. O preço da picanha na Capital não é medido pelo órgão, mas no Brasil, o acumulado no ano passado foi de 8,8%.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que comer dentro de casa teve pico de preço de 3,14% em novembro de 2024, com alta acumulada de 11,44%. Fora do domicílio, a maior alta foi em dezembro, com variação de 1,49%.

Picanha barata é lenda, enquanto comida cara coloca cidade no topo da inflação
Arte: Lennon Almeida

Tem que driblar – A equipe de reportagem do Campo Grande News identificou dois tipos de perfis, os que preferem comer em casa e tentar gastar menos no supermercado, e os que comem fora, acreditando que gastam menos.

O bancário aposentado, Ari Sanches, de 83 anos, acredita que o segredo para driblar a alta dos alimentos é comprar de pouco em pouco, todos os dias, para conseguir analisar os preços. Ele estava saindo de um supermercado no Tiradentes com uma sacola, quase vazia, e pagou R$ 7,90 por uma cenoura e frango empanado.

Picanha barata é lenda, enquanto comida cara coloca cidade no topo da inflação
Sacola do aposentado Ari Sanches com uma cenoura e frango empanado (Foto: Marcos Maluf)

“Venho todos os dias para acompanhar os preços, vir uma vez por mês é um perigo, o segredo é vir todos os dias e acompanhar. Parei de comer carne porque não é fundamental e o momento não é ideal. A carne moída está 30 reais, não vou comprar, antes era 22”, disse.

De acordo com ele, por mês, gasta entre R$ 450 e R$ 500 no supermercado, e aos fins de semana paga R$ 13 na marmita, que dá para o almoço e janta.

O engenheiro de software, Marcelo Alvarenga Junior, de 25 anos, opta por se planejar a cada início de semana.

“Os alimentos mais básicos estão pesando mais no bolso, como arroz, macarrão e os itens da cesta básica. Normalmente, tento planejar as marmitas da semana com antecedência, tento comer certinho e planejar, evitar comprar mais do que preciso”, pontuou. Por mês, ele gasta R$ 2 mil com supermercado, delivery e restaurante.

A dona de casa, Eva dos Santos, de 76 anos, e o encanador aposentado, Orestes Messias, de 85 anos, ainda mantêm o hábito de pagar tudo com dinheiro em espécie. Mas, com o aumento dos alimentos, já teve até que voltar para a casar e pegar mais grana.

Picanha barata é lenda, enquanto comida cara coloca cidade no topo da inflação
Eva e Orestes chegando ao supermercado para fazer compras para o almoço (Foto: Marcos Maluf)

“Está caro, muito caro, se for subindo do jeito que está indo, vamos ter que ficar sem comer, se não souber segurar o dinheiro, acaba tendo falta das coisas. Às vezes olho uma fruta, mas não levo se estiver caro, porque cada dia aumenta mais”, lamentou Eva.

Orestes também diz que não está fácil sobreviver. “A banana nanica que está mais em conta está 9 reais o quilo, antes era 7. Não é fácil para a gente sobreviver, às vezes vem para o supermercado e precisa ir para a casa pegar mais dinheiro, porque deu muito caro”, completou.

Por outro lado, tem quem coma mais fora de casa pela praticidade e por achar que comprando no supermercado irá gastar mais.

O professor de Educação Física, Jacques Dias, de 47 anos, come em restaurante pelo menos três vezes por semana, há 10 anos. O restaurante que ele costuma ir está localizado no Bairro Maria Aparecida Pedrossian.

“Devido ao trabalho em casa, por causa da esposa, e também pela variedade. Sempre tem um refogadinho, sempre tem uma saladinha, tem duas opções de carne. Para fazer em casa, o custo vai ser mais alto”, explicou.

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Jacques saindo do restaurante, onde come três vezes por semana (Foto: Henrique Kawaminami)

Ele exemplifica que se comer no local gasta R$ 50 para ele e a esposa almoçar, com direito a tubaína, e para levar para a casa, a marmita custa R$ 35.

“Tem chuchu, tem kibe, bobó, tem carne picadinha, tem rúcula, tem alface, tem farofa. Não ia fazer isso em casa. Um lanche gourmet hoje é R$ 34, e R$ 23 um prato feito”, completou.

A enfermeira, Fhanyara Florêncio, de 38 anos, já acha que gasta menos comendo fora do que em casa, porque, consequentemente, compra menos produtos de limpeza.

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Fhanyara segurando as marmitas que pegou em um restaurante no Bairro Maria Aparecida Pedrossian (Foto: Henrique Kawaminami)

“Sai mais barato, porque eu não gasto com coisa de limpeza, no caso. O tempo também para ficar cozinhando, lavando um monte de panela, guardando. Então, sai bem mais prático para a nossa família, e a variedade de comida também”, ressaltou.

A autônoma, Cláudia Maria Medina, de 51 anos, vive só com o marido, e gastava cerca de R$ 1 mil de compras, mas segundo ela, teve que reduzir pela metade para dar conta. Ela mora no Bairro Maria Aparecida Pedrossian e costuma fazer as compras por lá.

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Cláudia, em casa, na hora do almoço (Foto: Henrique Kawaminami)

Além disso, também trocou a carne pelo frango e ovo. “Acaba indo para outros alimentos também, principalmente, o frango. O frango é o que estamos consumindo mais em casa. Carne, de vez em quando, para o luxo. Ficou para uma coisa mais especial mesmo”, finalizou.

Capital sempre nas “mais, mais” – Segundo o economista, Eugênio Pavão, a oferta acaba não atendendo a demanda. “Campo Grande não é tão distante dos centros produtores, porém, a oferta não chega a atender a demanda, encarecendo os preços, além de ser uma Capital com renda alta, fazendo com que a formação de preços (empresas) coloquem as escadarias a um preço mais alto do que em capitais mais longas dos centros de produção. Pouca oferta e lucros explicam essa situação econômica de Campo Grande”, pontuou.

Em relação à carne, ele explica que mesmo Mato Grosso do Sul sendo um grande produtor, a carne nobre acaba reduzindo a oferta local. “Mato Grosso do Sul é um dos principais exportadores de carnes do País, desta forma, os melhores cortes são enviados para o exterior. Assim, a carne nobre reduz a oferta local, fazendo com que o preço suba, mesmo sendo um grande produtor”, disse.

Em relação aos outros alimentos, a lógica é um pouco diferente. “A maior parte dos hortifrútis consumidos em Campo Grande vem da região Sudeste, São Paulo e Minas Gerais; da região Sul, maçã e outros produtos comuns em área temperada; já do Nordeste vem outros produtos, como o coco, mamão. Assim, a dependência destes mercados faz com que os produtos primeiramente vão para os maiores mercados, chegando à Ceasa local, produtos que serão distribuídos na Capital e interior”, completou.

Em outra visão, a economista do Dieese, Andreia Ferreira, explica que na cesta básica são pesquisados produtos em Campo Grande que não tem em todas as capitais e o consumo de cada população é diferente.

“Aqui para Campo Grande, a quantidade de carne estimada para consumo de uma pessoa é de 6 quilos e 600 gramas, para o Nordeste é menor. Com essas diferenças nas quantidades, nos tipos de produtos, então, Campo Grande acaba ficando com umas das cestas mais caras”, explicou.

Além disso, a economista destaca que o IPCA, medido pelo IBGE, leva em consideração outros oito elementos, fora a alimentação, o que pode pesar ainda mais nos preços de Campo Grande.

Apesar das altas, a economista ressalta ainda que houve momentos de quedas. “A interferência climática e, especialmente, no caso brasileiro, esse agro que fica sendo sustentado por todos nós, eles estão acumulando ganho, eles ganham na variação cambial e no próprio processo produtivo. Em relação à carne especificamente, a gente teve retração em 2023 e 2024, apesar da maior alta em dezembro. Por mais que a gente tenha registrado essas quedas, não conseguimos em tal magnitude que a gente volte ao patamar de 2019 e 2020. Justamente por essa escolha dos produtores em exportar”, finalizou.

Picanha barata é lenda, enquanto comida cara coloca cidade no topo da inflação
Tabela mostra preço dos cortes de carnes nas capitais, referente a 12 meses, considerando a data-base dezembro de 2024 (Foto: IBGE/Dieese)

 * Colaboração de Murilo Medeiros e Clara Farias 

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